quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

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Crônicas do Irani (6)
José Fabrício das Neves
e o cerco de Santa Maria


 
O livro já estava circulando e eu prosseguindo com as pesquisas, quando me deparei com duas referências do general Setembrino de Carvalho, a respeito de José Fabrício, durante o cerco a Santa Maria, em 1915, fase final do movimento.

Apenas para nos situarmos, o conflito teve, a grosso modo, a seguinte seqüência: depois do combate do Irani (1912), o movimento recomeça no final de 1913, no reduto de Taquaruçu (hoje Fraiburgo), depois o reduto de Caraguatá e, por fim, o maior de todos, com cerca de cinco mil edificações, o de Santa Maria (1915).

Esses eram os redutos principais, mas existiram dezenas, menores. Entre 1913 e 1915, até o cerco de Santa Maria, executado meticulosamente por Setembrino de Carvalho, os rebeldes conquistaram uma ampla área no vale do rio do Peixe, mobilizando cerca de 20 mil pessoas.
 

“Notícias apavorantes”

O cerco a Santa Maria implicou o corte no fornecimento de gêneros, levando fome e o surgimento de doenças, e a conquista dos redutos satélites. Em seu “Relatório”, o general Setembrino informa que na véspera do ataque final a Santa Maria, surgiram “notícias apavorantes sobre nova revolta nas bandas do Irani”.

Por causa disso, em março de 1915, expõe ao Ministro da Guerra: “Espero reduzir os bandoleiros do Santa Maria antes que aperte o frio. Mas como não há certeza da terminação da luta com a sua queda definitiva, porque se anuncia outro levante nas bandas do Irani, desejo aparelhar a tropa de recursos que a garantam contra os rigores do inverno”. (SETEMBRINO, 1915, p. 124)

Dessa vez foi a Fundação Getúlio Vargas (CPDOC), que forneceu as evidências complementares: telegramas trocados entre o então Chefe de Polícia do Paraná, Vieira Albuquerque, e Setembrino de Carvalho, relacionados aos fatos no Irani. Nunca é demais lembrar que só depois de 1916, um ano depois, é que o Estado de Santa Catarina passa a administrar toda a região a oeste do rio do Peixe, onde estão os campos de Palmas/Irani.

Tudo começou com um telegrama do Chefe de Polícia ao general Setembrino, com base em informações transmitidas pelo subdelegado do rio do Peixe, Gonçalino Silva. “Infelizmente foram baldados todos esforços sentido manter sertão pacificado. José Fabrício está aliciando elementos dispondo seiscentos tantas Winchester. Ainda não fez hostilidades estando concentrados barra Jacutinga”. (Telegrama de Vieira Cavalcanti a Setembrino de Carvalho)


 “Levante próximo”

O Chefe de Polícia determinou então que o subdelegado Gonçalino reunisse forças e efetuasse a prisão de José Fabrício. O policial respondeu imediatamente por telegrama: “Cientifico não dispor elementos efetuar-se prisão José Fabrício. Individuo conta superior recursos meu contingente”. E que aguardava ordens do Chefe de Polícia. (Telegrama do subdelegado Gonçalino Silva a Setembrino de Carvalho).

São com esses (e outros) elementos que trabalho no momento. Os arquivos do Exército (Rio) e do Paraná (Palmas, Curitiba) devem conter outras referências. Seu objetivo era romper o cerco de Santa Maria, com a passagem dos combatentes para os campos de Palmas/Irani, no outro lado do vale do rio do Peixe.

José Fabrício não foi batido nessa ocasião, como nos confirma a Mensagem Anual do governador Hercílio Luz encaminhado ao legislativo. Diz que ao assumir em 28 de setembro de 1918, “a situação no município de Cruzeiro era causa das maiores e justificadas apreensões”. Boatos, segundo ele, “os mais desencontrados e aterradores pareciam indicar um levante próximo de elementos perniciosos a frente dos quais se encontraria José Fabrício das Neves”. Tudo isso torna mais evidente a importância do aprofundamento das pesquisas, a diversificação das fontes e a releitura do que se escreveu sobre o tema Contestado.

O tema é abordado por Demerval Peixoto em Campanha do Contestado – A Grande Ofensiva. Informa que após duas semanas de bombardeio sobre o reduto de Santa Maria, “os prisioneiros e fugitivos confirmavam uma pretendida mudança” do referido do reduto “para os campos do Irani”.

Peixoto assinala que “estariam apertados pela fome e pretendiam varar em picadas esquisitas, por onde poderiam seguir, sem risco de serem vistos, até alcançar os passos do Rio do Peixe”. E qual foi a reação dos militares, conforme o autor citado? Mandar fechar os passos do Rio do Peixe. A estrada Calmon a Perdizes foi ocupada pela cavalaria. Um regimento de cavalaria se manteve nos campos do Corisco. O arraial de Cima de Serra ficou guarnecido por um continente militar. Em frente as furnas do Santo duas companhias.

Também foram guarnecidos o hospital de sangue no arraial de Perdizes e o centro de abastecimento da coluna e a fazenda do Claudiano onde se localizava o campo de aviação. No rio Tigre permaneceu meio esquadrão e, no Lageado, um esquadrão. “Eram esses os pontos guarnecidos da linha que passou a ser percorrida pelo contingente do tenente coronel Paiva. O capitão Pará ficou com sua força junto ao grosso da coluna, na Tapera”.

Em resumo ficou guarnecida a linha Calmon – Cruzeiro – Perdizes – Luiz de Souza – Cima da Serra – Corisco, “numa extensão de cem quilômetros noroeste para sudeste. Era toda a frente da linha sul nos últimos dias de Santa Maria”. (PEIXOTO, 1995, p.98-99)

Aliás, as preocupações com os campos de Palmas e do Irani estiveram presentes desde o primeiro momento da presença do general Setembrino de Carvalho na região, responsável a partir de 1914 pela mais dura repressão ao movimento do Contestado. O medo de que os rebeldes deixem o vale do rio do Peixe condiciona a estratégia adotada. Uma das primeiras providências que tomou foi buscar garantir a estrada de ferro e suas estações de eventuais ataques dos caboclos, “impedindo-lhes ao mesmo tempo a passagem para os campos de Palmas de do Irani. Daí a necessidade de um comando geral”, constituído naquele momento. (CARVALHO, 1915, p. 42)  

Podemos concluir que José Fabrício das Neves e outros moradores dos campos do Irani permaneceram todo o tempo em contato com as lideranças do movimento do Contestado no vale do rio do Peixe. Ou seja, estamos diante de um grupo de combatentes destacados do movimento do Contestado completamente ignorados pela historiografia do tema, sobretudo José Fabrício. (Por Celso Martins, outubro de 2011)




Fontes

1. PEIXOTO, Demerval. Campanha do Contestado – A Grande Ofensiva, v.3. Curitiba: Fundação Cultural, 1995.
2. LUZ, Hercílio. Mensagem Anual. 1919. Biblioteca da Alesc. 
3. CARVALHO, Setembrino de. Relatório apresentado ao general José Caetano de Faria, ministro da Guerra, pelo comandante das forças em operação de guerra no Contestado. Rio de Janeiro: Imprensa Militar, 1915.
4. Telegrama nº 569, de 4.3.1915, do Chefe de Polícia do Paraná, Vieira Cavalcanti, ao general Setembrino de Carvalho. CPDOC-FGV/FSC 15.03.04/5 – T. 7 antigo A 43.
5. Telegrama nº 10, de 5.3.1915, do subdelegado Gonçalino Silva ao general Setembrino de Carvalho. CPDOC-FGV/FSC 15.03.04/2 – T. 7 antigo A 43.

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